Aprender a Servir
Nos tempos de Jesus a sociedade podia ser dividida em diversas
categorias. Havia os reis e imperadores, dentre eles os maiores da época, Cesar
Augusto e depois Tibério Cesar, além da dinastia Herodiana na região da Palestina
do século I. Havia os militares e soldados, os quais mantinham o domínio do
império romano sob a maior parte Europa, além da Ásia menor e parte da África.
Havia os sacerdotes e religiosos da época, sendo o Sinédrio Judaico, composto pelos
seus 71 membros e presidido pelo Sumo Sacerdote, o maior símbolo de seu poder
político e religioso.
Também existiam as famílias nobres que descendiam dessas classes
superiores, além dos escribas que eram prestigiados por registrar os
acontecimentos nas cortes, auxiliando as autoridades. Havia os ricos
comerciantes, que se beneficiavam do comércio entre os territórios sob possessão
romana. Abaixo dessas classes, a base da pirâmide social era composta por homens
livres que tinham profissões, dos quais José, pai adotivo de Nosso Senhor era
um representante como carpinteiro (Ev.Mateus,cap.13, vers. 55).
Finalizando com os chamados ‘jornaleiros’ (Levítico, cap.25, vers.40
e Ev.Lucas,cap.15,vers.19), os quais eram pagos pela sua jornada diária de
trabalho (Ev. Mateus, cap.20, vers.2). E, em último lugar, como parte da
sociedade estavam os escravos e servos.
Mas mesmo entre essa última categoria havia distinções, pois os
servos e escravos eram diferenciados de acordo com seus trabalhos em favor de
seus senhores. Existiam aqueles que serviam seus senhores auxiliando na
administração e no comércio (Ev.Mateus,cap.25:14). Havia aqueles que
trabalhavam no campo e nos cuidados com os animais (Ev.Lucas, cap.17, vers.7).
E, por último, havia os escravos domésticos que cuidavam da casa e da própria higiene
de seus senhores (I Samuel, cap.25, vers.41).
Entretanto, conforme a Lei de Moisés determinava, o povo de Israel não possuía
o costume em tomar escravos dentre os seus concidadãos (Levítico, cap.25,
vers.39 e 42). Mas as famílias ricas da época e muitos membros proeminentes da
sociedade tinham servos e escravos domésticos. Sendo que estes, ao receberem os
seus senhores ou visitantes nas suas casas, tinham a obrigação de recebê-los e
tirar-lhes as sandálias, lavando-lhes seus pés. Tornando-os assim limpos para
adentrarem à casa e depois cearem com seus anfitriões. A tarefa desses escravos
podia ser considerada um trabalho humilhante pois, na antiguidade, em razão do
uso de sandálias rústicas, os pés eram a partes do corpo mais expostas a poeiras,
ao barro e outro tipos de sujeiras que impregnavam os pés dos transeuntes. Por
isso João Batista referiu-se a Jesus, dizendo de sua condição em relação a
Cristo que: “Após mim vem aquele que é mais forte do que eu, do qual
não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia das suas sandálias.”(Ev.Marcos,
cap.1º, vers.7). Mas o ato de lavar os pés era também era uma regra
especial de hospitalidade, veja:
“E disse: Meu Senhor, se agora tenho achado graça aos teus
olhos, rogo-te que não passes de teu servo. Que se traga já um pouco
de água, e lavai os vossos pés, e recostai-vos debaixo desta árvore. E
trarei um bocado de pão, para que esforceis o vosso coração; depois passareis
adiante, porquanto por isso chegastes até vosso servo. E disseram: Assim faze
como disseste. E Abraão apressou-se em ir ter com Sara à tenda, e
disse-lhe: Amassa depressa três medidas de flor de farinha, e faze bolos.”
(Gênesis, cap.18, vers. 3 a 6).
“E eis que uma mulher da cidade, uma pecadora, sabendo que
ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com ungüento. E,
estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com
lágrimas, e enxugava-lhos com os cabelos da sua cabeça, e beijava-lhe os pés, e
ungia-lhos com o ungüento. Quando isto viu o fariseu que o tinha
convidado, falava consigo, dizendo: Se este fora profeta, bem saberia quem e
qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora...
...E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta
mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta
regou-me os pés com lágrimas, e os enxugou com os seus cabelos. Não
me deste ósculo, mas esta, desde que
entrou, não tem cessado de me beijar os pés.” (Ev. Lucas, cap. 7,
vers. 37 a 39 e 44 a 45).
Nesse contexto
histórico, vemos que Jesus aproveitou a realidade sociocultural da época para
nos dar uma das mais belas lições de humildade e importância do trabalho
cristão. Veja o que aconteceu entre ele e os seus discípulos.
“Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado nas suas mãos
todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para Deus, levantou-se
da ceia, tirou as vestes, e, tomando uma toalha, cingiu-se. Depois
deitou água numa bacia, e começou a lavar os pés aos discípulos, e a
enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. Aproximou-se, pois,
de Simão Pedro, que lhe disse: Senhor, tu lavas-me os pés a mim? Respondeu
Jesus, e disse-lhe: O que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois.”
(Ev. João, cap. 13, vers. 3 a 7).
Note que Jesus, mesmo “sabendo que o Pai tinha
depositado nas suas mãos todas as coisas, e que havia saído de Deus e ia para
Deus”. Ou melhor, que Jesus pertencia a mais alta classe e posição, sendo
o mais rico e nobre que qualquer outra condição social podia lhe conferir, resolveu
levantar-se e fazer-se de escravo, lavando-lhes os pés de seus discípulos. Depois,
mesmo sendo interpelado por Pedro, Ele continuou esclarecendo após a real importância de seu gesto.
“Depois que lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e
se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito?
Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora,
se eu Senhor e Mestre vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos
outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais
vós também. Na verdade, na verdade vos digo que não é o servo maior
do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou. Se
sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes.” (Ev. João, cap.13,
ver.12 a 17).
Somos impulsionados nos dias de hoje a almejarmos cada vez
mais reconhecimento e notoriedade. Muitos gastam seus recursos buscando se autopromover ou até mesmo alcançar o status de celebridade. Porém Jesus nos
ensina que a verdadeira forma de servirmos a Ele é transformando-nos também em
servos uns dos outros. Observe que Cristo, sendo o próprio Deus, sujeitou-se a
posição de um escravo doméstico. Isso com o intuito de nos dar o exemplo. Veja
o que o Apóstolo Paulo fala sobre isso:
“Completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o
mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa. Nada façais por
contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros
superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu,
mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus, que sendo em forma de Deus, não teve por
usurpação ser igual a Deus. Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de
servo, fazendo-se semelhante aos homens.
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à
morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e
lhe deu um nome que é sobre todo o nome. Para que ao nome de Jesus se dobre
todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e
toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” (Filipenses,
cap. 2, vers. 2 a 11).
Vemos, portanto, que a verdadeira forma de sermos úteis ao
Senhor é fazendo-nos servos de Deus em favor de nossos irmãos. Não por
vanglória ou falsa piedade mas por amor, seguindo o exemplo de Cristo para as
nossas vidas, lembrando:
“Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja
como o menor; e quem governa como quem serve.” (Ev. Lucas, cap. 22 vers. 26).
“Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será
humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado.”(Ev.Lucas,cap.14
vers.11).
“Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para
que a seu tempo vos exalte. Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque
ele tem cuidado de vós.” (I Pedro, cap. 5, vers. 6 e 7).
Que possamos viver como servos de Deus em favor de nossos
irmãos, ‘lavando-lhes os pés’, abençoando-os por amor a Cristo.
Que Deus os abençoe grandemente.
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Fontes:
- Todas as referências bíblicas citadas nesse texto
foram extraídas da Bíblia Sagrada, versão ALMEIDA Corrigida e Revisada, SBB.
- Flávio Josefo, História dos Hebreus, Editora CPAD.
- Grandes Civilizações do Passado, Vols. III, VI e
VIII, Editora Folio.
- Artigo: A Palestina do Século I, por Prof. Dra.
Andreia Cristina Lopes Frasão da Silva.
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