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sábado, 27 de abril de 2013


A redenção de um escravo



Sempre costumo dizer que a Bíblia é um Livro com histórias capaz de tocar qualquer coração, até o mais cético ou endurecido. Não apenas por causa de sua riqueza literária, ou mesmo pelas suas infinitas lições morais, mas especialmente pelo fato de tratar-se da maneira como Deus fala conosco. Por isso as mensagens contidas em suas páginas e as histórias nelas retratadas são tão maravilhosas. Talvez uma das mais significativas para todos nós seja aquela escrita na Epístola do Apóstolo Paulo a seu amigo Filemon.

Essa carta de Paulo contém apenas um capítulo. É a mais pessoal das mensagens escritas e enviadas por Paulo, pois dirige-se apenas a uma pessoa. É uma carta de intercessão em favor de um escravo. O nome desse escravo era Onésimo.

Nos dias do Apóstolo Paulo, o império romano dominava o mundo antigo. Por essa razão as leis romanas eram as regras aplicadas em todos os lugares, incluindo a forma de tratamento dos escravos. Era uma lei implacável, pois o ser humano reduzido à condição de escravidão era considerado apenas um objeto, um animal semelhante a um boi ou um cavalo, utilizado para as mais diversas tarefas.  Não é à toa que esse regime legal, tão duro e cruel, tenha sido copiado nos séculos seguintes perdurando em muitos lugares do mundo, como aqui no Brasil até o final século XIX. Desse modo, um escravo não tinha direito algum e, quando fizesse algo contra o seu dono ou senhor, poderia ser castigado severamente com açoites, ou até mesmo ser morto.

Onésimo era um escravo fugitivo que encontrou o Apóstolo Paulo quanto este se encontrava na prisão, tendo aceitado a Cristo. Porém, Onésimo havia fugido justamente de seu amigo e irmão Filemon, de quem tinha furtado uma considerável quantia em dinheiro. Nesse caso a pena para o seu erro seria invariavelmente a morte. Mostrando-se aí, nessa terrível circunstância, a força e a graça redentora do amor de Deus pelo ser humano.

Veja o diz o Apóstolo Paulo a Filemon, em favor de Onésimo:

Apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de volta a você, como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de mantê-lo comigo para que me ajudasse em seu lugar enquanto estou preso por causa do evangelho. Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você fizer seja espontâneo, e não forçado. Talvez ele tenha sido separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão. Assim, se você me considera companheiro na fé, receba-o como se estivesse recebendo a mim. Se ele o prejudicou em algo ou lhe deve alguma coisa, ponha na minha conta. Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu pagarei — para não dizer que você me deve a sua própria pessoa.” (Carta de Paulo a Filemom, cap.1, versículos 10 a 19).

Podemos, dessas poucas linhas, aprender lições valiosíssimas de como Deus pode restaurar a vida de um ser humano. Onésimo era um escravo fugitivo, inútil, cujo único tratamento ou recompensa merecida por seus atos seria a morte. Entretanto, ao conhecer o amor de Cristo através da vida do Apóstolo Paulo, sua vida mudou. O arrependimento pelo seu pecado lhe obrigou a retornar ao seu dono e senhor. Contudo, ele não voltou sozinho, pois o seu testemunho de salvação estava acompanhado da carta (a Palavra de Deus escrita por inspiração do Apóstolo Paulo) que intercedia por sua vida. Trazendo consigo a mensagem de perdão e liberdade dirigida a Filemon.

Vemos aí que a maravilhosa manifestação do poder de Deus também não se limitou apenas na transformação da vida de Onésimo, mas estendeu-se a vida de Filemon, já que ele era um Cristão convicto como afirmam os versículos 4 e 6.

Sempre dou graças a meu Deus, lembrando-me de você nas minhas orações, porque ouço falar da sua fé no Senhor Jesus e do seu amor por todos os santos. Oro para que a comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de todo o bem que temos em Cristo.” (Capítulo 1, versículos 4 a 6).

Assim, observamos que Filemon, mesmo tendo o direito de castigar Onésimo por seus erros, respeitou algo maior e mais forte que a lei vigente na época. Era “a sua fé no Senhor Jesus e seu amor por todos os santos”. Por essa razão Paulo sentiu-se a vontade em interceder pelo escravo a fim de que ele fosse tratado “não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado”.

E não foi só isso! Se houvesse algo que Onésimo tivesse prejudicado a Filemon, por conta dos prejuízos decorrentes de seu crime, Paulo mesmo assumia a responsabilidade em pagar por esses danos. Assemelhando tal atitude ao resgate vicário de Cristo que “pagou” o preço pelos nossos pecados na cruz do Calvário. Pois assim como devemos tudo a Jesus, o Apóstolo Paulo também destacou: “Se ele o prejudicou em algo ou lhe deve alguma coisa, ponha na minha conta. Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu pagarei — para não dizer que você me deve a sua própria pessoa.

Que história linda! Quantas lições podemos extrair dela: Amor, perdão, responsabilidade e restauração. Quantas pessoas nos dias de hoje assemelham-se a Onésimo, um escravo das coisas ruins que praticaram no passado e hoje estão fugindo por causa de seus pecados. Mas hoje possuem a oportunidade de encontrar-se com Cristo e serem perdoadas, podendo retornar às suas famílias, trabalho e amigos. Não mais como escravos inúteis, mas como pessoas úteis e restauradas por meio da salvação em Jesus Cristo, como o próprio Apóstolo Paulo diz em sua outra carta aos Romanos:

Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus. (Carta de Paulo aos Romanos, capítulo 3, versículos 21 a 24).

Portanto, se você se encontra separado de Deus, lembre-se que Ele quer reuni-lo de volta à sua família e a comunhão de seus irmãos, assim como aconteceu com Onésimo e Filemon, porque: “Talvez ele tenha sido separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre...”

Mas, e como terminou a história de Onésimo e Filemon?

Embora a Bíblia não relate o que aconteceu a Onésimo e Filemon após o reencontro de ambos, a tradição e a história cristã relatam que Filemon perdoou Onésimo, libertando-o do jugo da escravidão e de sua dívida, permitindo-lhe retornar ao Apóstolo Paulo. Tornando-se irmãos em Cristo e amigos. Tempos mais tarde Onésimo foi mencionado como um grande pregador do Evangelho, Bispo da Igreja em Éfeso, conforme mencionado nos escritos de Inácio de Antioquia. Sendo Filemon, também, um respeitável líder cristão da Igreja na cidade grega de Colossos, na ásia menor.

Que Deus possa restaurar sua vida e abençoá-lo, libertando-o de todo o tipo de escravidão e tornado-o útil aos seus queridos. Deixe Ele manifestar Seu poder em sua vida. Aceite-O hoje mesmo e veja quão grandes coisas Ele pode fazer em seu favor.

Que Deus o abençoe ricamente!



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Bibliografia:

Cretela Júnior, in Direto Romano, Editora Forense, 2ª Edição.

Eusébio de Cesaréia, in História Eclesiástica – Os primeiros quatro séculos da igreja cristã, Editora CPAD.

Bíblia Anotada, Introdução ao Livro de Filemon, Editora Mundo Cristão, 1ª Edição.

Todas as citações Bíblicas mencionadas nesse texto foram extraídas da Bíblia de Estudo NVI – Nova Versão Internacional, Editora Vida.

sábado, 13 de abril de 2013

490 Vezes


490 vezes



Quando pensamos em perdão é fácil associarmos essa palavra a sentimentos pessoais e lembrar de fatos e pessoas que nos trouxeram algum sofrimento. Porém, para muitos, esses mesmos sentimentos são diretamente vinculados ao desejo de vingança e reparação, o que não é considerado absolutamente errado. Muitas vezes a reparação seria justa, ou, até a vingança, justificável. Na antiguidade as leis tinham um forte caráter de reparação e vingança. O Código de Hamurabi, escrito há 1.700 anos antes de Cristo era um nítido exemplo desse tipo compensação ou vingança. Em um de seus artigos havia a seguinte inscrição:

"Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho, e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto".[1]

Por conta de seu rigor em atribuir reparações esse código basicamente originou um dos princípios do direito antigo: O principio de talião[2], do qual adveio a expressão: “Olho por olho, dente por dente.

O povo hebreu não ficou fora desse contexto. O próprio Moisés, ao receber as leis e fixá-las a população, estabeleceu critérios de reciprocidade de castigos e reparações. Veja o que diz a Palavra de Deus:

Se alguém furtar boi ou ovelha, e o degolar ou vender, por um boi pagará cinco bois, e pela ovelha quatro ovelhas.” (Êxodo, capitulo 22, versículo 1).

Mas se houver morte, então darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.” (Êxodo, capitulo 21, versículos 23 a 25).

Quem ferir alguém, de modo que este morra, certamente será morto.” (Êxodo, capítulo 21, versículo 12).

Foi por essa razão que o Rei Davi, ao ser confrontado pelo profeta Natã, disse que o pecador deveria morrer, além de restituir quadruplicado pelo seu pecado (II Samuel, cap. 12, vers. 5 e 6). Assim como Zaqueu, o cobrador de impostos, que ao ser salvo por Jesus prometeu restituir quatro vezes mais àqueles a quem houvera defraudado (Ev.Lucas, cap. 19, vers. 8).

Mas houve um personagem bíblico que estabeleceu um padrão de compensação e vingança absurdamente desproporcional e injusto. Seu nome era Lameque, tataraneto de Caim.

Lameque, além de polígamo[3], tinha um caráter injusto e extremamente vingativo, pois ao declarar publicamente haver matado um jovem e um homem, ainda estabeleceu um grau de retaliação para quem quisesse vingar-se dele. Observe:

E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar. Porque sete vezes Caim será castigado; mas Lameque setenta vezes sete.” (Gênesis, capítulo 4, versículos 23 e 24).

Vemos, pelo exemplo de Lameque, os resultados que hoje assolam a humanidade: Guerras, afrontas, discórdias e o próprio sentimento de vingança como instrumento de reparação e satisfação pessoal. Mas JESUS CRISTO nos deu uma lição valiosíssima ao responder a Pedro por ocasião de quantas vezes devemos ser tolerantes e prontos a perdoar nossos semelhantes.

Então Pedro, aproximando-se dele, disse: ‘Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?’ Jesus lhe disse: ‘Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete.” (Ev. Mateus, cap.18, vers.21 e 22).

Não foi por mera coincidência ou acaso que Pedro questionou Jesus acerca da tolerância e do perdão, pois nos dias de Cristo ainda prevaleciam as ideias de talião, “olho por olho, dente por dente”(Ev. Mateus, cap.5, vers.38 a 44). Por essa razão Pedro desejava saber qual o critério que Jesus estabeleceria a fim de tratarmos nossos semelhantes ao nos ofenderem. Desse modo, assim como Lameque estabeleceu um critério absurdamente desproporcional para a vingança; JESUS fixou esse mesmo padrão para a tolerância e o perdão, dando-nos uma preciosa lição de como Deus trata essa questão.

Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos. E, começando a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida lhe fosse paga. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis, antes encerrou-lhe na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passou. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?
E, indignado, o seu senhor o entregou aos carcereiros, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.
 (Ev.Mateus, cap. 18, vers. 23 a 35).[4]

Portando, se você almeja que a misericórdia de Deus alcance sua vida, saiba agir conforme o critério de Jesus para a tolerância e o perdão. E Você verá quão bom isso será para você e todos os seus relacionamentos.

Lembre-se:

O que segue a justiça e a beneficência achará a vida, a justiça e a honra.” (Provérbios, cap.21, vers.21).

Que Deus os abençoe!





[1] Passagem do Código de Hamurabi (artigo 25, § 227) – Awilum, significa cidadão livre. Fonte: Encyclopaedia Britannica.
[2] O Principio de Talião ou Lei de Talião, também chamado Lex Talionis (talis = igual, idêntico), chamada de lei da retaliação, a qual consistia na reciprocidade entre delito e pena. Fonte: Grandes Civilizações do Passado, Ed. Fólio.
[3] O registro de Lameque, apresentado em Gênesis, cap. 4, vers.19 descreve o primeiro caso de poligamia nas Escrituras Sagradas.
[4] Todas as referências bíblicas citadas nesse texto foram extraídas da Bíblia Sagrada, versão ALMEIDA Corrigida e Revisada, SBB.